Desde os primórdios da liga de futebol americano profissional (a NFL), na década de 1920, até os dias de hoje, muita coisa mudou.
Há algumas décadas, não existia wide receiver. Quatro ou cinco jogadores se posicionavam no backfield. E os tight ends eram basicamente bloqueadores. Repare, portanto, que tudo indicava para uma soberania do jogo corrido.
Soberania essa que fica evidente quando olhamos para a quantidade de passes tentados ao longo dos anos no futebol americano. Afinal, se o ataque não estava optando pelos lançamentos, as jogadas chamadas eram corridas.
Enquanto as transformações dos ataques terrestres é assunto para outra ocasião, analisar a quantidade de passes completados, assim como a porcentagem de lançamentos certos, que os quarterbacks que lideraram a liga a cada temporada tiveram desde 1932 ajuda a entender como a NFL ganhou sua forma atual, mediando o título deste texto.
Todas as informações foram coletadas em profootballreference.com, e elas só começaram a ser marcadas de fato a partir de 1932. No caso de aproveitamento, alguns anos até ficaram sem nenhum dado.
Um quarterback liderando o campeonato com menos de 40 passes certos parece… Outro esporte.
Importante ressaltar, claro, a quantidade de jogos de cada campeonato regular, já que essa teve variações.
Repare no gráfico duas quedas bruscas, uma em 1944, outra em 1982.
No primeiro destes casos, a Segunda Guerra Mundial tirou jogadores da NFL pela participação dos Estados Unidos na batalha, e acabou limitando a liga em alguns aspectos. Além da diminuição de partidas para algumas franquias, várias dessas tiveram que se juntar a outras pela falta de jogadores. Tecnicamente isso também impactou, portanto.
A combinação do Pittsburgh Steelers e Chicago Cardinals, o Card-Pitt, foi o time “mesclado” de 1944, por exemplo. Os Steagles (Steelers mais Philadelphia Eagles) estavam em cena um ano antes.
Já em 1982, a greve dos jogadores reduziu o calendário da liga para nove partidas, ao invés de 16.
Mas a essência do gráfico é a forma como as coisas mudaram no futebol americano profissional e, especialmente, os símbolos de tais mudanças.
Em 1932, Arnie Herber liderou a NFL em passes completados, com 37. Herber ainda terminaria no topo do quesito passes certeiros outras duas vezes, em 1934 e 1936. Mesmos anos em que o quarterback também foi o nº1 da liga em jardas e touchdowns aéreos.
Diga-se de passagem, na temporada passada, as 452 tentativas certeiras de Ben Roethlisberger foram a melhor marca. O recorde em um ano pertence a Drew Brees (471 em 2016).
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A imagem mostra quantas jardas o QB que liderou a liga em cada um dos anos teve por temporada. Mais uma vez, as quedas se dão por conta de alguma greve dos jogadores, assim como as duas Grandes Guerras.
De imediato, o nome de Herber vem à tona: ele foi o primeiro de todos a atingir as 1.000 jardas aéreas. O ex-Green Bay Packers e New York Giants foi talvez o primeiro ótimo passador da liga, tendo obtido sucesso ao introduzir o estilo e produtividade de passes em profundidade.
Na casa das 2.000 jardas passadas, o precursor foi Cecil Isbell. Apesar de estar no Hall da Fama (muito devido ao fato de sua carreira ter durado apenas cinco temporadas), Isbell liderou a liga (lembrando que ainda não era a NFL de fato na época) em jardas, bem como touchdowns, duas vezes.
Onde Isbell jogou também nos diz muita coisa sobre a época: ele foi o sucessor de Herber nos Packers. Green Bay obviamente era o time mais dominante do momento e, ao vencer seis títulos, fez história embalado pelo sistema ofensivo de Curly Lambeau. Lambeau deu nome ao estádio dos Packers após sua morte em 1965.
A marca de 3.000 jardas aéreas so foi atingida 18 anos depois, quando Frank Tripucka liderou a liga com 3.038. Tripucka nunca esteve próximo de alcançar uma carreira de hall of famer, mas certamente fez parte da evolução da posição mais importante do jogo.
Fun fact: Tripucka defendeu o Denver Broncos entre 1960 e 1963, e teve sua camisa (#18) aposentada no Colorado. A contratação de Peyton Manning pela franquia em 2012, contudo, fez com que a camisa #18 voltasse a ser usada por mais alguns anos em Mile High.
Ultrapassar 3.000 jardas aéreas, pouco depois que Tripucka conseguiu, tornou-se uma tendência, como mostra o gráfico.
As evoluções seguiram e a temporada de 1967 teve Sonny Jurgensen como líder de jardas aéreas (3.747). Entretanto, vale destacar que na AFL Joe Namath lançou para 4.007 jardas, o primeiro quarterback profissional a atingir tal marca.
A tendência para temporadas de 4.000 jardas aéreas, no entanto, só começou de fato no final dos anos 1970, já com a unificação que originou a NFL. Na época, Dan Fouts liderou a liga em jardas lançadas por quatro temporadas seguidas (1979-1982), sendo as três primeiras dessas com 4.000/+. A exceção para ele nesse período, é bom lembrar, foi o ano da greve.
Ainda sobre Fouts, ele fez parte de um dos sistemas ofensivos mais inovadores de todos os tempos, o “Air Coryell”. Comandado pelo head coach Don Coryell, esse esquema (e filosofia) mudou de vez a forma como as jogadas de passe funcionavam no futebol americano. Coryell aperfeiçoou algumas das movimentações mais usadas no pré-snap. Bem como instaurou o tight end (Kellen Winslow, no caso) jogando como wide receiver, mais aberto e em campo vertical. Três WRs abertos no mesmo lado do ataque, idem.
O jogo em profundidade que vemos na liga atualmente, com várias rotas downfield, foi colocado em prática com efetividade por Coryell e campanhia. A consequência disso, no gráfico, é vista pela estabilidade da sólida produção nos anos 80.
Não demorou muito para que um QB mostrasse aos fãs da bola oval o que eram 5.000 jardas aéreas. Dan Marino foi o primeiro, e fez isso em 1984. Marino foi o ponto fora da curva; estava à frente de seu tempo, tanto em jardas quanto em touchdowns (ver mais abaixo).
Todavia, por mais que quatro mil jardas aéreas se tornasse uma constante para alguns quarterbacks, principalmente para aquele que liderava o campeonato (repare como a linha do gráfico pouco vai abaixo de 4K depois de certo período), ver um jogador ultrapassando a meia dezena de milhar demorou. Demorou e é para poucos.
Além de Marino, apenas outros seis jogadores conseguiram o feito. São eles: Drew Brees (2008), Matthew Stafford e Tom Brady (2011), Manning (2013), e Roethlisberger e Patrick Mahomes (2018).
Desses, Brees é o único que repetiu a façanha, foram cinco vezes ao todo (08, 11, 12, 13 e 2016). Com três protagonistas, a temporada de 2011 foi o “Ano Dourado” nesta narrativa.
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Para a conjuntura de touchdowns aéreos, a história é a mesma. A movimentação do gráfico segue a “ideia”, as linhas se parecem e contexto geral já faz algo impensável há algumas décadas “bater na porta” como, quem sabe, um requisito futuramente.
Esses foram os pioneiros para as seguintes marcas de TDs lançados:
- 20: Cecil Isbell (24, 1942, Packers)
- 30: Johnny Unitas (32, 1959, Colts)
- 40: Dan Marino (48, 1984, Dolphins)
- 50: Tom Brady (50, 2007, Patriots)
Entre 1932 e 1949, Herber conseguiu liderar a NFL em passes para touchdown em uma temporada com oito lançamentos (1934). Por outro lado, Frankie Albert, com 29, foi o melhor dos líderes no período. A média do QB líder da liga no quesito nessas 18 temporadas foi 18,3.
Já com a NFL unificada e estruturada, entre 1970 e 1990, período em que a concepção de jogo do futebol americano se alterou várias vezes (defesas, jogo corrido, tight end e, claro, quarterback), a melhor marca alcançada por um atleta foi Marino, com os 48. A segunda… Também Marino, 44.
O QB líder da estatística não chamado Marino nesse intervalo de tempo foram dois: Fouts (1981) e Warren Moon (1990), ambos com 33. A marca mais baixa (não considerando o ano da greve, quando três nomes totalizaram 17) aconteceu em 1972, temporada em que Billy Kilmer e Joe Namath tiveram 19.
Finalmente, no período entre 1991 e 2018, somente três vezes um jogador liderou a NFL em TDs passados com menos de 30 desses lançamentos. Aquela média, que beirou 18 no começo dos anos 1930 e permeou 27 com as primeiras grandes mudanças, agora é de 37,5 TDs. O recorde máximo pertence a Manning, o qual passou para 55 TDs em 2013.
Na temporada passada, Mahomes fez “parecer natural” 50 lançamentos na endzone, tornando-se, todavia, somente o terceiro nome da história a conseguir o feito até hoje.
O último quarterback a liderar a NFL em passes para touchdown com menos de 30 TDs foi Brady (28) em 2002.