Imagine a sensação de ver seu time disputando quatro Super Bowls consecutivos.
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Pouquíssimas pessoas foram privilegiadas por acompanhar o Buffalo Bills dos anos 90. Mais especificamente de 1990 a 1993, quando o time esteve na grande final do futebol americano por quatro temporadas seguidas.
Era um grande time, com bons jogadores em todos os lados da bola e, com certeza, marcou época. Mas e seu eu lhe dissesse agora que nem todos esses grandes jogos disputados terminaram como esperado para os torcedores dos Bills? Melhor (ou pior) dizendo, todas essas partidas não foram como imaginadas para esses torcedores…
O Buffalo Bills é até hoje o único time da história da NFL a disputar quatro Super Bowls consecutivos. É também, por outro lado, uma das 13 equipes da liga que nunca foram campeãs na era Super Bowl do futebol americano. Isto mesmo, por alguns anos, os Bills dominaram a NF… Quer dizer: por alguns anos, os Bills dominaram a Conferência Americana, a ponto de construírem uma considerada dinastia sem ao menos ter vencido um título. A soberania no âmbito da liga de modo geral, como comecei (precipitadamente) falando, acabou ficando restrita ao incrível (surpreendente, inacreditável, espetacular, inusitado, como preferir) fato de quatro reveses seguidos em finais!
Então, que sensação fica após tal reflexão? No primeiro momento, penso nos sentimentos consequentes dos torcedores do Buffalo Bills. Em seguida, vêm os jogadores, comissão técnica, diretoria, amigos, admiradores… Os Bills do começo dos anos 90 chegaram a ser motivo de piada pelos rivais durante muito tempo.
Em uma rotina ao menos complicada, de chatices, decepções, “vitórias derrotadas” e fortes emoções, o Buffalo Bills fechou o século XX e percorre o século XXI. Não é fácil perder um Super Bowl. Não é fácil nunca ter vencido um. Ter fracassado em quatro consecutivos então, chega a ser algo, como falado, surreal.
O começo de tudo
O primeiro Super Bowl disputado na história do Buffalo Bills foi contra o New York Giants, em 27 de janeiro de 1990. Os então estreantes Bills, eram donos de um dos melhores ataques da época, o qual, comandado por Jim Kelly em seu ataque no-huddle (sem conferência), liderou a NFL em pontos marcados naquela temporada, e vinha de uma sequência de 44 e 51 pontos marcados respectivamente nas duas primeiras rodadas dos playoffs.
Seu rival seria os Giants de Bill Parcells. Aquele time de New York teve a defesa que menos cedeu pontos ao longo da temporada regular e um dos melhores pass rushes de todos os tempos, comandado, inclusive, por Bill Belichick.
Parcells sabia que a bola não poderia ficar muito tempo com o ataque de Buffalo, uma vez que esse era extremamente envolvente e traria enormes dificuldades à defesa novaiorquina. Deste modo, então, o head coach dos Giants na época implantou determinada estratégia pautado pelo pensamento: quanto mais posse de bola tivermos, menos eles conseguirão pontuar. E deu certo! O New York Giants manteve a bola sob seus domínios por 40 minutos e 33 segundos, um recorde do Super Bowl que dura até hoje.
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Muitos acreditam que aquele era o Super Bowl que de fato Buffalo deveria ter vencido em sua história! Entre todos as finais disputadas pelos Bills até hoje, a única que as casas de apostas os cravavam como favoritos era justamente o duelo contra o NY Giants. Muito disso pois o quarterback titular da dos rivais Phil Simms estava lesionado e não iria para o jogo. Porém, o Buffalo Bills não tirou proveito disso e, mesmo encarando um quarterback reserva (Jeff Hostetler, o qual jogou muito bem, diga-se de passagem), não conseguiu concretizar o triunfo.
Todavia não pense que aquele Super Bowl XXV foi um jogo que os Bills deixaram escapar apenas pelo que fora dito acima. Buffalo, além disso, com o placar 20 a 19 para os Giants, teve a oportunidade de chutar um field goal de 47 jardas a oito segundos do fim do jogo. Na ocasião, Scott Norwood falhou. Perdeu a chance que teve para dar a primeira vitória em Super Bowl para o Buffalo Bills; sim, foi apenas a primeira, mas que poderia ter mudado totalmente a história desta franquia.
Uma vítima na arte de perder Super Bowls
Não é fácil chegar a quatro Super Bowls seguidos. Mas ao mesmo tempo é difícil conseguir sair derrotado em todos os eles. Como isso é possível? A menos que você tenha muita sorte de vencer sua conferência tantas vezes em sequência, e simultaneamente azar de não erguer nenhum troféu na finalíssima, algo considerado pelo menos insólito deve acontecer para que isso se concretize. Em outras palavras, uma ironia do destino, digamos assim nesta perspectiva. E foi mais ou menos isso que aconteceu com os Bills.
Na primeira final, contra o New York Giants, como falado, o Buffalo Bills entrou como favorito, e encarou um quarterback reserva do outro lado. Apesar da sólida defesa novaiorquina, se dentro de campo a vantagem inicial era conferida aos Bills, os Giants usaram a capacidade brilhante de seus treinadores para alcançarem o troféu Vince Lombardi. O treinador principal de New York era Bill Parcells – um dos maiores de todos os tempos – e o coordenador defensivo Bill Belichick (ele mesmo!). O atual técnico dos Patriots, na época, conseguiu anular o bom braço de Jim Kelly e o brilho das corridas de Thurman Thomas. No outro lado da bola, por fim, o quarterback substituto – Jeff Hostetler – foi cirúrgico ao passar para mais de 200 jardas e não sofrer nenhum turnover. Agora me diga: quem imaginaria que os Bills perderiam aquela final diante de um quarterback backup?
E contra o Dallas Cowboys? Como os membros do Buffalo Bills irão explicar a “explosão” do safety JamesWashington no Super Bowl XXVIII? Washington sempre demonstrou talento e capacidade de fazer grandes jogadas nos Cowboys, todavia, sua performance naquela final foi algo que estará marcado na história para sempre: 11 tackles, uma interceptação, passe defendido, fumble forçado e fumble retornado para touchdown. Nem os Bills (e nem ninguém) esperavam que James Washington fosse crescer tanto naquela decisão a favor dos Cowboys. Mas ele brilhou, surpreendeu a todos e pôs fim à última decisão da história de Buffalo até hoje.
Ainda neste sentido, Mark Rypien, quarterback dos Redskins de 1987 a 1993 (e adversário dos Bills no Super Bowl XXVI), deixou seu melhor para o meio de sua carreira, e não para o final como costumamos dizer no cotidiano. Isso mesmo, Rypien deixou para ter sua melhor temporada profissional em 1991 (com 3.564 jardas e 28 touchdowns), ano em que enfrentou (e obviamente venceu) os Bills na decisão. Para se ter uma ideia, após os 28 touchdowns em 1991, Mark Rypien somou apenas 31 nas outras sete temporadas que disputou na liga.
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Quem acompanha o futebol americano regularmente sabe (ou já ouviu falar) que “ataques ganham jogos, defesas vencem campeonatos”, e isso pôde ser visto nos anos fracassados (?) do Buffalo Bills. Veja bem: nas temporadas de 1990 até 1993, Buffalo terminou com sua defesa ranqueada como 8ª, 27ª, 12ª e 27ª, respectivamente, e enfrentou Giants, Redskins e Cowboys (duas vezes), nessa ordem, nos quatro Super Bowls em questão. Nessas quatro temporadas, os adversários do Buffalo Bills terminaram como 2ª, 3ª, 1ª e 10ª melhor defesa da NFL, respectivamente.
Além de tudo isso, quantas vezes também já ouvimos especialistas e analistas dizerem que “quem vence a batalha dos turnovers geralmente vence a partida”. E isso realmente fez sentido. Nos quatro Super Bowls que os Bills disputaram, apenas na partida contra o NY Giants eles não cometeram turnovers (e o restante da história já fora contado aqui). No mais, nas outras três ocasiões, Buffalo totalizou 17 turnovers (incluindo cinco contra Washington e nove no primeiro encontro contra Dallas), sendo que 13 desses resultaram em 79 (!) pontos para os adversários.
Em meios a tempos de crise, vemos decisões, reflexões, atos e pensamentos drásticos acontecendo. Talvez essa seja a explicação para tudo que fora dito neste tópico e, mais especificamente, para o que será escrito logo em seguida.
Jogar contra o Buffalo Bills no Ralph Wilson Stadium nunca foi fácil, pelo contrário, o clima hostil criado pela pressão dos torcedores sempre dificultou muito a vida dos adversários. Além disso, considerando partidas de pós-temporada, quando o inverno americano deixa Buffalo “congelada”, os oponentes encontram ainda mais dificuldades em triunfarem por lá. Nas quatro temporadas que os Bills chegaram até o Super Bowl, eles disputaram sete jogos de playoffs em casa, a temperatura média ficou na casa dos zero grau Celsius, e o time venceu todas as partidas.
Por outro lado, nos Super Bowls disputados, a temperatura média foi de aproximadamente 20 ºC, e Buffalo, como todos já sabem, saiu derrotado em todos. Aliás, a final jogada contra o Washington Redskins aconteceu em Minneapolis, onde o clima se assemelha muito ao de Buffalo (situado no estado de Nova Iorque). Contudo, justo naquela ocasião, o Super Bowl aconteceu em estádio fechado, com a temperatura regulada automaticamente.
Quase uma dinastia
O que caracteriza uma dinastia? Ter um Super Bowl é requisito fundamental para isso? Você trocaria quatro aparições no Grande Jogo por um título conquistado? Essas são perguntas que perduram na maioria das análises feitas acerca do Buffalo Bills dos anos 90.
Aquele time tinha como principal líder dentro de campo Jim Kelly, um dos braços mais fortes e eficientes da história da NFL. Kelly (#12) é o único atleta da história dos Bills que tem sua camisa aposentada pela franquia. Ele disputou 11 temporadas em Buffalo, marcou presença em oito pós-temporadas e foi campeão de divisão seis vezes, e isso inclui duas temporadas com 13 vitórias e quatro aparições em Super Bowl. Jim foi o protagonista central de um dos ataques mais potentes e eficientes que a liga já viu!
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Além dele, o brilho ofensivo do Buffalo Bills ainda contava com o auxílio de Thurman Thomas, líder de jardas corridas da história da franquia (com 11.938). Suas grandes performances o renderam os prêmios de MVP e Jogador Ofensivo do Ano em 1991. Infelizmente, sua carreira ficou “manchada” pelo fumble decisivo que sofrera em uma das grandes finais disputada diante dos Cowboys. Ainda no ataque, Andre Reed (13.095 jardas recebidas na carreira) fez parte daquele grande time e ele é considerado pela maioria o maior wide receiver da história do Buffalo Bills.
Do outro lado da bola, o destaque principal ficava para Bruce Smith. Smith venceu dois prêmios de Melhor Defensor do Ano naquele período, atuou pelos Bills por 15 temporadas (das quais apenas em três não acumulou mais de dez sacks) e é o líder de sacks da história da NFL até hoje, com 200.
Fora das quatro linhas, o comando ficava com Marv Levy, um dos técnicos mais competentes da história. Levy é o head coach que mais venceu com o Buffalo Bills, foram 112 triunfos ao todo. Apesar de ter pecado um pouco em termos de esquemas defensivos, elaborou um dos ataques mais marcantes da NFL.
Ademais, vale ressaltar que nas temporadas de 1990 e 1992 os Bills tiveram dez nomes escolhidos para o Pro Bowl.
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Dinastia ou não, como alguns persistem em negar, aquele Buffalo Bills tem seu nome na história da NFL. Mas não venha me dizer que isso acontece obviamente pelo fato que a equipe é a única – dentre todos os esportes – a perder quatro finais seguidas. Esse Bills que está sendo tratado aqui vai além daqueles quatro grandes reveses. Estamos falando de vários Hall of Famers, detentores de recordes, vencedores…
Destino, por algo vindo dos “deuses do futebol americano”; sorte, por conseguir vencer a AFC quatro anos em sequência; azar, pelos pequenos detalhes falados nessas seguidas derrotas; competência, pelos números, recordes e estatísticas; incompetência, pelos vários turnovers; ironia, pela temperatura e jogadores apenas decentes que deixaram para brilhar justamente quando enfrentaram os Bills em um Super Bowl; coincidência, por tudo isso ter se repetido em múltiplos anos…
Seja qual for a razão que explica porquê o Buffalo Bills perdeu quatro Super Bowls seguidos, se é que ela realmente exista, não importa neste momento. Os Bills tiveram grandes méritos em uma importante época da NFL; isso ficou explícito na dominância da franquia dentro de sua conferência. Algo não quis que Buffalo vencesse naqueles momentos. Em meio à piadas, trocadilhos e preconceitos, os Bills sustentam sua ótima história, afinal, como Marv Levy bem sabe, existe apenas uma maneira de garantir que você nunca irá perder um Super Bowl. Não o jogue.
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