Por Caio Miari e Lucas Borges David
O momento de Denver Broncos e Cleveland Browns em 2019 não ilustra a história por trás dessas franquias, duas das mais importantes da NFL. Depois de oito semanas disputadas nesta temporada, Broncos e Browns combinam um retrospecto 4-11, com duas vitórias para cada lado apenas.
Enquanto o embate da semana 9 entre Denver e Cleveland pode significar uma sobrevida para um dos lados (e, consequentemente, cenário ainda mais caótico para o outro), todas as vezes que os times se enfrentam é inevitável não lembrar de um dos momentos mais marcantes do futebol americano profissional.
Em 1986, Broncos e Browns eram duas das principais equipes da Conferência Americana, o que ficou evidente na campanha final de cada uma delas naquele ano: 11-5 e 12-4, respectivamente. Tal sucesso rendeu à ambas uma folga na primeira rodada dos playoffs e, além disso, levantou expectativas para uma final de conferência no mata-mata.
A espera para os favoritos não só se concretizou, como marcou certa soberania dos dois times na AFC, uma freguesia para o lado do Colorado e, mais tarde, a glória para um dos maiores quarterbacks de todos os tempos.
Já pensou marchar 98 jardas em menos de cinco minutos no último período para empatar uma final de conferência?
* * *
No dia 11 de janeiro de 1987, Broncos e Browns se alinharam no já extinto Cleveland Municipal Stadium para protagonizar uma aguardada final de conferência. Aguardada e de suma importância para ambos os lados, visto que nenhum deles havia conquistado o Super Bowl.
A final marcou o encontro entre John Elway e Bernie Kosar, dois dos principais quarterbacks da época. Nenhum deles dominava a NFL em estatísticas na ocasião, porém a competitividade proporcionada aos seus times era a necessária. Elway liderou a liga em viradas e campanhas vitoriosas no quarto período em 1985, enquanto Kosar fez o mesmo um ano depois.
Aquele confronto entre Broncos e Browns foi equilibrado e com as defesas aparecendo pontualmente. Nenhum time marcou dois touchdowns consecutivos, ou mais de 10 pontos, sem que o adversário também não colocasse tentos no marcador. Ao todo, cinco field goals foram anotados no embate, um deles sendo a “cereja no bolo” para Elway e companhia.
A baixa temperatura, previsão de neve e gramado molhado não foram tramas suficientes para o roteiro do jogo: na época ainda com a “morte súbita” no tempo extra, a final da AFC de 1986 foi decidida na prorrogação.
O equilíbrio dentro de campo, com trocas constantes no marcador, fez com que o último período do tempo regulamentar daquela decisão estivesse empatado, 13-13.
E quando o wide receiver Brian Brennan protagonizou a jogada mais longa da partida, um touchdown de 48 jardas em passe de Kosar, as mais de 80 mil pessoas presentes no estádio estavam convictas que os Browns sairiam vitoriosos. Afinal, restavam 5 minutos e 32 segundos para o fim da partida, com os Broncos perdendo por sete pontos, fora de casa e em um duelo dominado pelas defesas.
Para piorar ainda mais as coisas para os visitantes, o running back calouro Gene Lang errou ao receber o kickoff de devolução pelos Browns e colocou o ataque de Elway na linha de duas jardas (ou 98 jardas distantes do empate).
A partir daí, uma sequência de 15 jogadas que mudaria muito mais que o enredo da final da AFC de 1986 começou.
Elway comandou seu ataque até a outra end zone, completando seis dos nove lançamentos tentados para 78 jardas (e um touchdown), correndo duas vezes para 20 jardas, e contando com a ajuda de Sammy Winder, que correu três vezes — uma delas em terceira descida — na campanha.
O touchdown que colocou o kicker Rich Karlis em posição de empatar o confronto com o extra point veio em passe de cinco jardas de Elway para Mark Jackson, wide receiver novato de sexta rodada, a 39 segundos do fim. Então, Karlis assegurou o ponto extra para mandar a partida ao overtime.
Os Browns começaram com a bola na prorrogação, mas não conseguiram pontuar. A bola voltou para as mãos de Elway, e o camisa #7 foi cirúrgico novamente para colocar seu kicker em posição de definir o clássico: Karlis entrou em campo pela última vez naquela decisão para chutar um field goal de 33 jardas e selar uma das campanhas — e viradas — mais marcantes da história da NFL.
Há outro fato sobre Karlis que ainda vale ser ressaltado: ele é conhecido por ser o último chutador da NFL a executar todos os chutes (kickoff, extra point, field goal) descalço. Isso mesmo, exatamente como a imagem abaixo mostra:
O histórico triunfo dos Broncos levou o time ao Super Bowl XXI, no qual o time acabou derrotado pelo New York Giants. Seria a primeira das três derrotas de Elway em Super Bowl (e detalhe: ele derrotou os Browns em todas as finais de conferência até chegar à grande decisão).
A “seca” de títulos de Denver e Elway só terminaria em 1997 e 1998, período em que a equipe de Cleveland ficou inativa da liga.
