Você não precisa ser um assíduo fã de futebol americano para entender que a posição de quarterback é a mais importante deste esporte. E mais: há quem diga que a função executada por um QB é a mais importante dentre todos os esportes – com razão. Não é uma grande coincidência que uma franquia sem um ao menos bom QB não consegue ter campanhas vitoriosas e grandes conquistas. Mas engana-se quem pensa que foi sempre assim.
Houve épocas em que a posição de quarterback, acredite ou não, era uma das mais menosprezadas em um sistema ofensivo. Além disso, por muitos e muitos anos, os running backs eram bem mais importantes já que um ataque corrido era a prioridade das equipes. Temporadas com mais de 4.000 jardas aéreas? Se hoje elas são consideradas apenas “boas”, digamos assim, saiba que já foram raridade e sinônimos de marcas históricas.
Com isso em mente, decidi abordar um pouco mais sobre a evolução da posição de quarterback na National Football League, relembrando como ela foi se desenvolvendo até chegar aos seus padrões atuais. Ademais, analisei o que devemos esperar da função futuramente, afinal, cada vez mais os modelos de QBs estão ganhando novas formas e encontrando padrões distintos. Como será a nova geração?
1ª fase: Ninguém imaginava o futebol americano com passes
Principais nomes: Sammy Baugh, Otto Graham, Bob Waterfield, Bobby Layne, Y. A. Tittle.
Pode parecer estranho, mas nos primórdios do futebol americano, fazer um lançamento não era viável. Ninguém tentava. As regras, as táticas, os estilos dos jogadores, as estratégias, nada disso colocava o esporte da bola oval em posição de fazer o estilo de jogada mais comum da atualidade. Por conta disso, talvez o maior nome de sua geração, Sammy Baugh, é conhecido até hoje por ser um dos quarterbacks mais durões de todos os tempos. Baugh é um dos maiores da história mesmo tendo lançado mais intercepções do que touchdowns em sua carreira no futebol americano profissional. Ele não se destacava por isso; seu estilo de jogo era enfrentar os adversários pelas trincheiras, lançando apenas quando não havia mais opções. Essa explicação pode parecer extremamente antiga, porém é preciso voltar ainda mais no tempo para vermos como a ideia de lançamento começou no football.
Isso foi em 1895, quando os primeiros traços do que chamamos de futebol americano aconteciam nas universidades americanas. Naquela época, a noção de fazer um passe não entrelaçava esse esporte, o que explica porque esse tipo de situação nem aparecia (de maneira alguma) no livro de regras da modalidade há poucos anos antes disso. Muito mais que atualmente, a essência do futebol americano estava no ganho de território; batalha nas trincheiras – quase idêntico ao rugby, digamos assim.
Mas voltando ao ano de 1895, foi lá que tudo isso começou a mudar: na partida entre North Carolina Tar Heels e Georgia Bulldogs, já nos minutos finais da partida, os Tar Heels deveriam devolver a posse de bola aos seus adversários através do punt. Contudo, inexplicavelmente, o punter de North Carolina decidiu correr para o lado e executar um passe, o qual acabou resultando em uma jogada de 70 jardas e consequentemente o TD da vitória. Aquele foi o primeiro passe para frente da história do futebol americano. A partir daquele momento, quem passava a bola teria um pouco mais de notoriedade.
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Assim sendo, a ideia de lançar a bola, mesmo que ainda em pequenas proporções, entrou para o livro de regras (e principalmente de jogadas) das equipes de futebol americano. O tempo foi se passando (e perceba que aqui estou relatando os fatos de uma maneira bem resumida) e as normas e tendências do esporte foram mudando também, já que as partidas estavam sendo consideradas entendiantes pois ficavam apenas em torno de corridas. No fim das contas, viu-se que era preciso abrir a disposição dos jogadores dentro de campo; deixar de ser um esporte com 22 homens “amontoados” no centro do gramado – e foram os lançamentos que tiveram grande importância nisso. Desta forma, os jogadores ficaram mais divididos, as pontuações começaram a subir e o esporte conseguiu sobreviver (isso, vale ressaltar, já estou entrando no assunto das outras etapas).
Perceba que diretamente a noção de passe mudou padrões no futebol americano. A concepção de wide reicever, das jogadas verticais, de cinco homens “apenas” na linha ofensiva, tudo isso aconteceu ao redor da ideia de que um jogador (o quarterback) iria ser realmente capaz de lançar a bola. Mas saiba que não foi tão simples assim. Foram precisos anos de partidas ruins, graves contusões, lances horríveis para que isso fosse implementado. Em um primeiro momento, os times tentavam passes apenas nas terceiras descidas, já que se ele fosse incompleto, a posse de bola mudava para o adversário.
Para se ter uma noção, Sammy Baugh se aposentou com 21.886 jardas aéreas na carreira, apenas o 77º na história da liga neste quesito. Nesta lista, por exemplo, ele está atrás de nomes como Marc Bulger e Jon Kitna.
Mesmo sendo apenas uma parte do futebol americano, os lançamentos para frente no futebol americano têm sua própria história, a qual é marcada por mudanças e adaptações; muitas adaptações… Ainda bem que elas aconteceram.
2ª fase: Os primeiros resultados positivos (Décadas de 1960-1970)
Principais nomes: Bart Starr, Johnny Unitas, Joe Namath, Roger Staubach, Ken Stabler, Fran Tarketon, Bob Griese.
Já num segundo momento, sabemos que a ideia de passe para frente estava instaurada, mas que os ataques terrestres eram, de longe, as prioridades nas equipes de futebol americano. Alguns historiadores relatam que em média a proporção de jogadas corridas e aéreas era aproximadamente de 6-1. Os quarterbacks eram acionados para lançar a bola apenas em situações extremamente necessárias. Lembrar do Green Bay Packers dos anos 60 ilustra bem isso. Aquele time, comandado por Vince Lombardi e Bart Starr, era o melhor da década, e ficou marcado por inovar o ato de correr pelas laterais do gramado, mesmo tendo um Hall of Famer no pocket.
As décadas de 1960 e 1970 são de extrema importância para a posição de quarterback pois foram elas que introduziram o que os grandes quarterbacks iriam fazer alguns anos mais tarde. Ainda não era a época do passe superar as corridas (3ª fase), muito menos de vermos QBs com 4.000 jardas e 30 TDs por temporada; o momento seria para vermos os primeiros pocket quarterbacks clássicos, os primeiros grandes lançamentos em profundidade e, é claro, as primeiras vitórias sendo conquistadas das mãos dos quarterbacks. Certo, Johnny Unitas?
Além disso, vale lembrar que a formação de Shotgun e as leituras pré-snap começaram no fim dos anos 70, com Roger Staubach. Naquele período ainda, as franquias comandadas principalmente por grandes quarterbacks passaram a vencer. Por exemplo, além dos Cowboys com Staubach e dos Colts com Unitas, tivemos os Steelers com Terry Bradshaw, os Dolphins com Earl Morrall e os Raiders com Ken Stabler (todos esses nomes já estão no Hall da Fama).
Saiba que, enquanto até 1960 um quarterback nunca havia tentado mais de 480 passes em uma temporada, a NFL viu cinco QBs com pelo menos 500 lançamentos em 1979, incluindo os 578 de Steve DeBerg, um recorde na época.
3ª fase: Os passes ultrapassam as corridas (Décadas de 1980 e 1990)
Principais nomes: Joe Montana, Dan Marino, Jim Kelly, John Elway, Troy Aikman, Dan Fouts.
A década de 1980 foi a comprovação de que quarterbacks eram as melhores apostas para se vencer um título na National Football League – a carreira de Joe Montana é o maior exemplo disso: quatro Super Bowls disputados, quatro anéis; sendo alguns da maneira especular que foram. De um modo geral, a adaptação da West Coast Offense (WCO) foi um símbolo da época também. Ao invés de correr com a bola, algumas equipes passaram a usar (e abusar) dos passes curtos, porém produtivos. Foi um sucesso.
É preciso ressaltar também o ataque chamado de Air Coryell, o qual foi idealizado por Don Coryell a partir do WCO no San Diego Chargers. Aquele sistema ofensivo, estatisticamente falando revolucionou o futebol americano, uma vez que foi o líder de jardas da NFL por três temporadas consecutivas. Além disso, Dan Fouts, o quarterback dos Chargers na época, liderou a liga em passes tentados e completados, jardas e foi o segundo em touchdowns na temporada de 1980. Aquele time de San Diego lançava em mais de 75% de suas jogadas; algo nos padrões do que vemos atualmente.
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Se voltarmos ao título desta fase, veremos os principais nomes e podemos concluir a partir deles que as equipes enfim tinham grandes estrelas na posição de quarterback. Finalmente, o sucesso de uma franquia estava diretamente relacionado ao sucesso do seu quarterback em determinada temporada. Os QBs se tornaram grande líderes ofensivos, comandantes de ataques. Montana venceu em San Francisco, Elway venceu em Denver e Aikman venceu em Dallas (todos eles jogando em altíssimo nível). Marino e Kelly não foram os culpados por não terem vencido em Miami e Buffalo, definitivamente.
Contudo, se você tem qualquer incerteza sobre Marino apenas pelo fato de ele nunca ter vencido um anél, lembre-se que em 1984 (!) ele lançou para 5.084 jardas e 48 touchdowns. Não à toa, esse números foram recordes da NFL por 30 e 20 temporadas, respectivamente.
O que foi visto por Dan Marino em 1984, definitivamente, mostrou que os tempos eram outros na NFL. Ali, quando o primeiro quarterback ultrapassou as 5.000 jardas aéreas, faziam 24 anos que o primeiro jogador da posição havia batido as 3.000 jardas. O que Marino fez naquele ano, mesmo que na época isso não fosse tão concreto, era uma “amostra grátis” do que alguns dos outros maiores da história fariam.
4ª fase: Temporadas de 4.000 jardas aéreas se tornam “obrigação” (Anos 2000)
Principais nomes: Peyton Manning, Tom Brady, Drew Brees, Brett Favre, Aaron Rodgers, Ben Roethlisberger, Kurt Warner.
Assim sendo, tinha chegado a vez de Peyton Manning, Tom Brady e companhia! As estratégias eram outras, os estilos de ataque eram totalmente diferentes e a NFL, essencialmente, respirava os ataques aéreos. Desde 2000, tudo referente aos lançamentos na National Football League no passado foi concretizado. Em outras palavras, Peyton Manning mudou os padrões da liga com suas leituras na linha de scrimmage; o termo de vencer foi ainda mais aperfeiçoado por Tom Brady; aquela incrível produção ofensiva de Fouts abriu as portas para a “máquina” Drew Brees… Enfim. Os parâmetros do jogo, muito mais que marcas quebradas, tornaram-se tendências.
Tendências essas que “implicam” que uma boa temporada de um quarterback, normalmente, deve ter como pré-requisitos 4.000 jardas e 30 touchdowns. Afinal, é quase inviável imaginarmos um QB de elite passando para 3.100 jardas e 28 TDs nos dias de hojes, não é mesmo? Mas saiba que em 1988, o lendário Joe Montana passou para 2.981 jardas e 31 TDs em 14 partidas.
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Anteriormente, falei que em 1984 Dan Marino se tornou o primeiro QB da história a ultrapassar as 5.000 jardas, marca que na época chocou o mundo do futebol americano. Entretanto, se em algum momento da história da National Football League pensou-se que seria impossível ultrapassar esta marca (e que talvez Marino fosse uma mera exceção), a partir dos anos 2000, essa concepção ficou para trás. A NFL já teve um quarterback passando das 5.000 jardas em nove ocasiões. Dessas, oito aconteceram a partir de 2008, sendo o ápice desse processo em 2011, quando três nomes conseguiram o feito (Drew Brees, Tom Brady e Matthew Stafford (!)).
E esses dados ficam ainda mais impressionantes agora: na lista de mais jardas aéreas conquistadas em uma temporada, Marino aparece em 7º, pelo que fez em 84. Contudo, para acharmos nessa lista o próximo nome que não atuou a partir de 2001, devemos olhar para a 21ª posição, onde aparece Dan Fouts. Em outras palavras, das 21 temporadas mais produtivas em termos de jardas por um quarterback, 19 aconteceram nos últimos 15 anos, sendo que oito das dez melhores foram no período entre 2011 e 2015. Isso para não falar mais sobre os Rams de 2001, Colts de 2004, Patriots de 2007, Broncos de 2013…
Uma função que era pouco comentada cresceu tanto que se tornou uma das mais reconhecidas de todos os esportes. Ao longo dos anos, a posição de quarterback passou a ser importante; muito importante, aliás. Ganhou tanta importância a ponto de nos possibilitar editar aquela tradicional frase e cravar que “…Defesas ganham campeonatos – se estiverem acompanhadas por um quarterback em alto nível”.
*Você deve estar se perguntando agora qual o futuro dessa posição. Calma, até quarta-feira nosso texto especial sobre a nova geração de quarterbacks estará aqui!
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