Escrever seu nome na história do esporte (de maneira positiva, é claro) talvez seja o maior objetivo da maioria dos jogadores profissionais. Neste “processo”, tais atletas normalmente são guiados pela tendência imposta pela época em que atuam, uma vez que estilos de jogo, filosofias, formações, são adaptadas e alteradas com o passar dos anos. Quem entra para a história da NFL, não importa quando seja, merece total reconhecimento. Contudo, aquele jogador que se diferencia dos demais, não por ser melhor necessariamente, mas por “abrir as portas” para um novo estilo de jogo, o qual até aquele momento jamais tinha sido visto no futebol americano, faz jus a grandes méritos. Dan Marino era mais que um ótimo quarterback, seu impacto para o jogo e a forma como conquistou a todos que o acompanharam é algo que merece um breve relato.
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Daniel Constantine Marino Jr. nasceu em 15 de setembro de 1961, em Pittsburgh, Pensilvânia. É o filho mais velho de Veronica e Dan Marino (pai). Desde os tempos universitários, o qual esteve na Universidade de Pittsburgh (Pitt), Daniel Marino já se destacava (no futebol americano e beisebol, isso mesmo, Dan Marino também teve relativo sucesso como pitcher da universidade por um tempo), fato que o tornou detentor da maioria dos recordes da universidade e principal líder na caminhada de quatro Bowls consecutivos daquele time. Marino teve seu número (#13) aposentado em Pitt, e entrou na NFL na primeira rodada (27ª escolha) do Draft de 1983, como escolha do Miami Dolphins.
Na liga profissional, Marino impressionou a todos (por motivos que foram tratados abaixo), quebrou inúmeros recordes, atingiu marcas antes nunca imaginadas no mundo do futebol americano e foi aclamado por aqueles que sempre o assistiram. Além dos recordes, sua camisa foi aposentada pelos Dolphins em 2003 e seu nome “imortalizado” no Hall da Fama em 2005.
Exímio competidor
Quem já assistiu aos vídeos, jogos ou apenas alguns momentos de Dan Marino, fatalmente percebeu o quão competitivo ele era dentro de campo. Competitividade essa que fez dele um dos quarterbacks mais perfeccionistas que a NFL já viu. Como alguns de seus companheiros de time disseram, Marino era o primeiro a criticar quando algo não funcionava como esperado, mas também era o primeiro a elogiar nos momentos bons. A dureza – física e mental – que ele encarava seus jogos era realmente algo invejável para qualquer atleta da NFL.
Parecia que todos os domingos (e segundas) eram os mesmos para Dan Marino, o qual sempre demonstrava enorme determinação e carinho pelo futebol americano. Como caracterizou Carl Peterson (presidente e general manager dos Chiefs entre 1989 e 2008) após ter sido derrotado improvavelmente por Marino, o camisa #13 tinha “um grande coração para o futebol americano”.
Tanto trabalho, amor ao esporte, competitividade e garra foram ensinados a Dan Marino por seu pai, o qual, além disso, como Marino escreveu em sua autobiografia, sempre disse a ele algo que mostrasse a importância de tamanha determinação: “You don’t deserve anything in life. You work for what you deserve.”
Perdido no tempo
Todos estão cansados de ouvir que desde os anos 2000 a NFL é uma liga de passe, e que as estatísticas dos quarterbacks vêm melhorando assustadoramente. Isso talvez seja uma das explicações mais básicas para que Matthew Stafford tenha duas temporadas com mais de 5.000 jardas aéreas na carreira. Indo mais além, em 2004 a NFL viu Peyton Manning passar para 49 touchdowns (quebrando o recorde após 20 anos, que era 48 do próprio Dan Marino), e depois Tom Brady chegar aos 50 touchdowns na temporada de 2007. Seis anos mais tarde, Manning voltou a quebrar a marca, atingindo os 55 TDs. Ainda temos a quebra de jardas aéreas em uma temporada… Enfim. São fatos claros que estamos vendo.
Tudo isso, então, nos faz ter a ideia que uma temporada com 3.300 jardas e 24 touchdowns atualmente, por exemplo, seja questionada se foi ou não tão boa para um quarterback, implicando assim na dependência de vários outros fatores. Contudo, se voltássemos no tempo, um ano nos moldes desse citado, seria considerado acima da média. Como exemplo, a década de 80 e 90 teve John Elway como um de seus melhores jogadores, o qual mais tarde escreveu seu nome na liga e acabou se tornando um dos melhores de todos os tempos. Analisando melhor os números de Elway, em 16 temporadas na NFL, totalizou 51.475 jardas aéreas, o que dá a ele uma média de 3.217 jardas por temporada. Nada tão impressionante. Outros ótimos nomes, como Jim Kelly e Steve Young, tiveram 3.224 e 2.208 jardas de média respectivamente. Dan Marino, diga-se de passagem, manteve sua média acima das 3.600.
Por esse motivo, ao longo de toda história do esporte, aqueles atletas que se diferenciam totalmente dos demais, impondo estilos de jogo e marcas nunca vistos antes, devem ser brilhantemente destacados. E este é o caso de Dan Marino!
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Marino era uma legítimo pocket passer e jogava como se estivesse nos moldes de hoje. De fato, algumas comissões técnicas pelas quais Dan Marino trabalhou fizeram com que ele implantasse essa filosofia, outras nem tanto, mas a realidade é que o camisa #13 atuou na NFL de 1983 a 1999 como se estivesse jogando entre 2000 e 2016. Não é um absurdo afirmar isso!
O que torna mais complicado a tarefa de fazer sacks em Tom Brady e Drew Brees? A rapidez com que eles leem rapidamente as defesas adversárias e a velocidade da mecânica nos lançamentos, respectivamente, certo? Esses foram dois atributos que passaram a ser muito trabalhados nas temporadas recentes da NFL. Entretanto, há 30 anos, eles não eram comuns, e Dan Marino se diferenciou mais uma vez.
O ex-quarterback do Miami Dolphins até hoje é conhecido por ter uma das mecânicas de passe mais rápidas da história da NFL, fato que dificultou bastante a vida dos defensores por muitos anos. Marino, combinando isso ao fortíssimo braço que tinha, mostrou à NFL uma produtividade anormal. Ele foi o primeiro quarterback de todos os tempos a lançar para mais de 5.000 jardas em uma temporada, e o único a atingir 40/+ touchdowns até Kurt Warner também conseguir o feito em 1999 e abrir as portas para que essa marca fosse alcançada uma dezena de vezes.
A ausência de um Super Bowl
O fator que mais distancia a carreira de Dan Marino da “perfeição” é seu desempenho em pós-temporada. Marino, em 17 (ótimas) temporadas na NFL, nunca ergueu o Troféu Vince Lombardi, fato que deu “definições extras” a ele, como “o melhor quarterback da história que nunca foi campeão“, ou algo do tipo. Verdade seja dita, nem mesmo suas atuações em playoffs foram das mais convincentes.
Em pós-temporada, das 18 partidas que Dan Marino disputou, ele triunfou em apenas oito, tendo lançado para um total 4.510 jardas, 32 touchdowns e 24 interceptações nessas ocasiões. Ele também disputou um Super Bowl, em 1984, mas acabou sendo derrotado pelo fortíssimo San Francisco 49ers de Joe Montana.
A carreira de Dan Marino, como falado, ficou sim manchada pela ausência de um Super Bowl. Contudo, as coisas não aconteceram exatamente como muitas pessoas dizem por aí. A culpa dos Dolphins não terem sido campeões enquanto seu maior quarterback esteve por lá não é necessariamente dele, como muitos resumem precipitadamente, apenas por Marino ter sido um dos melhores que já existiu.
Deste modo, é preciso analisar alguns fatores antes de tomar qualquer conclusão a respeito deste assunto. Quem acompanha a NFL sabe da importância que o jogo corrido e a atuação defensiva de uma franquia tem em partidas de mata-mata. Como diz o “ditado”, ataques vencem jogos, defesas ganham campeonatos.
E normalmente, nessas boas atuações defensivas, o equilíbrio entre ataque aéreo e terrestre também é algo crucial. Na conquista do Indianapolis Colts em 2006, por exemplo, a maior glória foi para Peyton Manning, mas vale lembrar que o quarterback não esteve em um de seus melhores anos, e suas atuações medianas nos playoffs foram “camufladas” pelas boas corridas de Joseph Addai e consistência defensiva elaborada por Tony Dungy.
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Olhando melhor para o Miami Dolphins dos anos 80 e 90, vemos que a franquia selecionou quase 30 running backs em Draft durante aquele período. Dentre eles, apenas um correu para mais de 1.000 jardas (Abdul-Karim al-Jabbar). Isso também explica porquê o ataque aéreo dos Dolphins com Dan Darino sempre foi um dos melhores e mais perigosos da liga, mas o ataque corrido, nesses 16 anos, foi apenas os 22º geral. Além disso, em todas as temporadas entre 1984 e 1997, o sistema defensivo de Miami esteve entre os 16 piores da NFL.
Uma temporada após a aposentadoria de Dan Marino, quem venceu o Super Bowl foi o Baltimore Ravens. Aquele time de Baltimore tinha uma das maiores defesas de todos os tempos, liderada por Ray Lewis, e um jogo corrido explosivo, protagonizado por Jamal Lewis. O quarterback, diga-se de passagem, era Trent Dilfer, o qual era reserva e assumiu a titularidade com a temporada em andamento. Assim sendo, imagina-se que, por exemplo, se Dan Marino estivesse naquele Baltimore Ravens (ou em um elenco mais equilibrado), teria vencido dois ou três Super Bowls.
Quando Marino entrou nos Dolphins, em 1983, o técnico principal era Tom Shula, um dos maiores de todos os tempos. Shula, desde o primeiro ano do quarterback em Miami, adotou uma filosofia que “forçava” Dan Marino a chamar suas próprias jogadas após ler as defesas adversárias e não ficasse submisso às chamadas dos coordenadores. Isso fez com que o camisa #13 evoluísse mais rapidamente na liga. Entretanto, ao término da temporada de 1995, Tom Shula deixou Miami, e deu lugar a Jimmy Johnson. O novo head coach determinou parâmetros totalmente diferente (e errados) aos Dolphins, ao pautar seu sistema ofensivo no jogo corrido, “deixando de lado” todo o talento de Dan Marino.
Ademais, Marino também sofreu com a ausência de eficientes wide receivers após a saída de Mark Duper e Mark Clayton em 1992, e encontrou no Buffalo Bills uma grande “pedra no sapato”. Os Bills naquela época, tiveram um retrospecto de 21 vitórias e nove derrotas contra os Dolphins, tendo eliminado Miami algumas vezes e disputado o Super Bowl quatro anos seguidos. A impressão que fica é que após tanto sucesso nas temporadas inciais de Dan Marino na liga, o Miami Dolphins tenha “se acomodado” com a situação, perdendo assim o foco em construir uma verdadeira dinastia.
Novamente: Marino peca no quesito playoffs, em especial em Super Bowls, mas outros vários fatores deveriam ter sido corrigidos naquela época.
Um herói jamais visto antes
Na cerimônia que oficializou a entrada de Dan Marino no Hall da Fama (2005), seu filho mais velho (Daniel Charles Marino) discursou por um tempo. Ao término de sua fala, ele anunciou o nome “Dan Marino”. Para isso, caracterizou seu pai com três singelas palavras: meu pai, meu herói, meu amigo. A emoção tomou conta de todos aqueles que acompanhavam o evento, e Marino discursou da mesma maneira como atuou por 17 temporadas: com muita classe.
Para Daniel Charles Marino, Dan Marino – o quarterback – é seu herói. Para os torcedores do Miami Dolphins também. A entrega, dedicação, amor e técnica que Marino apresentou por quase duas décadas como profissional foi algo brilhante! Ele “introduziu” novos parâmetros à liga, emocionou uma cidade, quebrou recordes e, por muitos anos, fez o números 13 ser sinônimo de sorte.
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