Imagine que você tem (muito) dinheiro guardado e, como forma de investimento, decida fundar uma franquia da NFL. Roger Goodell autorizou, bem como os demais proprietários da liga. O projeto de estádio, o nome do time, as cores, a cidade, tudo já está regularizado. O próximo passo é montar um elenco.
No começo, você deverá ter a primeira escolha do draft, como os Texans em 2002. Depois disso, terá liberdade para assinar com alguns jogadores de cada elenco da liga a fim de compor seu grupo. E sabe qual a primeira posição que você estará interessado em encontrar um jogador certeiro? A de quarterback! Afinal, para começar um time realmente competitivo, é preciso ter uma referência under center. O chamado franchise quarterback. Um QB titular confiável norteia a diretoria de uma franquia em como complementar um elenco. Foi exatamente isso que os Texans pensaram ao recrutar David Carr na primeira escolha geral de 2002. O problema foi que Carr fracassou.
LEIA TAMBÉM: Os dez maiors busts da história da NFL
Na história da NFL, algumas vezes quarterbacks “não tão diferenciados” chegaram ao Super Bowl. Rex Grossman, Joe Flacco, Nick Foles, Trent Dilfer, Jeff Hostetler, enfim, alguns nomes nunca foram realmente refinados, mas chegaram lá. A questão aqui é que todos eles chegaram (alguns até venceram) jogando possivelmente o melhor futebol americano de suas carreira. A única exceção talvez seja Dilfer, o qual conquistou o Super Bowl em 2000, apoiado por uma das melhores defesas de todos os tempos. Ele soube jogar com o que seu sistema defensivo oferecia.
A questão é: sem um quarterback minimamente competitivo, é quase utópico imaginar conquistas na NFL. Tenha em mente que essa é a razão que impulsiona as franquias da NFL a falarem de quarterbacks anualmente. As equipes querem ter uma certeza sobre quem é o titular, estar aliviada no que tange o banco de reservas e, anos depois, ter um plano futuro traçado na posição. Isso é o que gosto de chamar de “Ciclo de QBs da NFL”, o qual é almejado por muitos, mas alcançado por poucos.
O Ciclo de QBs da NFL
Voltando ao exemplo do Houston Texans de 2002. Com David Carr, a expectativa era que o jovem QB vingasse e fosse um líder para o time. Assim, os anos seguintes seriam destinados a reforçar o elenco em torno de Carr. Em tese, rapidamente o quarterback teria um arsenal interessante em mãos e Houston estaria pronta para competir. A propósito, o elenco dos Texans até ganhou peças individuais interessantes. O problema foi que a mais importante delas fraquejou: Carr jamais atingiu 17 TDs em uma temporada de sua carreira. Diga-se de passagem, o Houston Texans só começaria a pensar de fato em playoffs a partir de 2007, quando Matt Schaub foi adquirido.
–
Um time sem um quarterback titular confiável fica desnorteado. Falta referência a curto, médio e longo prazo. Não existe uma “receita de bolo” para isso, mas é algo mais ou menos assim:
1) Encontrar um quarterback competitivo e confiável (um para a franquia)
– Draft, troca, free agency, tanto faz. Apenas encontre um! –
2) Montar um elenco competitivo ao redor desse QB
– Provavelmente, seu time estará competitivo a partir de agora –
3) Após vários anos (ou décadas), encontre um quarterback promissor
4) Deixe ele como reserva aprendendo com o titular experiente
5) Quando o então titular sair, é hora da promessa entrar em cena
OBS I.: basta ter um head coach vencedor nas sidelines
OBS II.: drafts bem feitos são cruciais para que o elenco em torno de novos quarterbacks continue sólido
De um modo geral, este é o Ciclo de QBs da NFL! Ele é simples e objetivo, além de ser essencial para a instauração de uma dinastia. Mas repare que a parte mais importante (e crucial) desse ciclo é o começo. Se o início não funcionou, já era. Os Texans foram um exemplo disso, mas estão longe de serem os últimos.
Outros casos falhos (por variados motivos)
Os Broncos sentiram na pele a questão do “Ciclo de QBs” falho em 2017. Desde 2015, quando Peyton Manning se aposentou, a franquia sofre com isso. A primeira parte do ciclo, configurada pela presença de um franchise quarterback, os Broncos conseguiram (contrataram Manning). Consequentemente, vieram os anos de sucesso: foram dois Super Bowls em quatro temporadas.
Em 2016, então, John Elway recrutou Paxton Lynch na primeira rodada. Quatro anos antes, na segunda rodada, o nome de Brock Osweiler foi chamado. A ideia era que Osweiler aprendesse com Manning e, com a saída do camisa #18, assumisse a titularidade. O plano com Brock falhou e Lynch foi a “saída de emergência”. Estava fechada também. Não à toa, Denver fracassou nas duas últimas temporadas e agora tenta se “re-nortear” com Case Keenum.
Peyton também foi protagonista do outro exemplo em questão. Andrew Luck foi o sucessor de Manning em Indianapolis. A ideia era que o camisa #12 mantivesse os Colts competitivos por mais alguns anos. O começo de Luck até foi muito bom, todavia, Indy não sabe o que é uma temporada vitoriosa desde 2014. Ainda é cedo para cravar que Luck deu errado por lá. Entretanto, é inegável que esse ciclo esteja encontrando obstáculos no Lucas Oil Stadium.
Casos que merecem o questionamento
Tampa Bay Buccaneers e Tennessee Titans. Essas duas franquias têm algo em comum atualmente, afinal, ambas estão em busca de respostas mais concretas under center. Coincidentemente, os candidatos a franchise quarterbacks de ambas as partes chegaram à NFL no mesmo ano, em 2014. Foram eles: Jameis Winston e Marcus Mariota, respectivamente. No entanto, as duas primeiras escolhas gerais daquele recrutamento ainda não engrenaram como era esperado, em especial no caso de Winston. Essa é uma grande razão para as oscilações de Bucs e Titans nos últimos anos.
O caso do Washington Redskins também pode entrar aqui. Em 2012, Robert Griffin III chegou com altas expectativas. O ex-Baylor até teve um ano excepcional. Hoje, disputa a função de QB nº 2 em Baltimore, atrás de Joe Flacco, o qual acabou de ganhar um candidato a sucessor, aliás. Os Redskins acreditaram em Kirk Cousins depois, e agora apostam em Alex Smith. Até o momento, o ciclo de QBs recentes tem sido falho em Washington.
Casos que começaram agora
Existem três casos que começaram agora, todos eles diferentes, essencialmente falando. Em Kansas City, Pat Mahomes assumiu o comando. O segundo-anista foi recrutado na primeira rodada do ano passado pelos Chiefs com o intuito de ser o sucessor de Alex Smith. A ideia com Mahomes é que o time se mantenha ao menos competitivo, como Smith conseguiu fazer.
Há também os casos de nomes que buscam começar esse Ciclo de QBs na NFL agora, em times que estão “desesperados” por bons nomes na posição. É o que acontece com Jimmy Garoppolo em San Francisco. Os 49ers acreditam ter encontrado um franchise quarterback, o qual será uma certeza para o time nos próximos anos… Até que um novo nome seja encontrado. Algo similar acontece em Minnesota com Kirk Cousins, bem com em Denver com Case Keenum. Em Chicago com Mitchell Trubisky, idem. A propósito, as equipes que podem lançar calouros nesta temporada (Browns, Jets, Cardinals, Bills) também se enquadram neste caso.
Por fim, vale ressaltar os casos de times que ainda têm seus franchise quarterbacks, porém um candidato a sucessor para eles já está apontado. Como citado, os Ravens buscaram Lamar Jackson para substituir (e quem sabe até evoluir) Joe Flacco. Os Steelers, seja com Joshua Dobbs ou Mason Rudolph, esperam manter o legado de Ben Roethlisberger. Diga-se de passagem, equipes como New Orleans Saints, New England Patriots, New York Giants e Los Angeles Chargers, os quais têm quarterbacks em reta final de carreira, já deveriam pensar em algo do tipo.
Todos eles querem fazer o que Packers e 49ers já conseguiram
Dois exemplos de Ciclos de QBs são modelos no que tange esse assunto. Afinal, a forma como duas dinastias foram construídas, passando de um franchise quarterback para o outro, é a procurada pelas franquias da NFL ano após anos.
Na década de 1980, Joe Montana era o titular do San Francisco 49ers. Em dez temporadas com Montana, os Niners foram para os playoffs nove vezes e conquistaram quatro anéis. Após sua saída, Steve Young assumiu o posto (ele esperou cinco anos por isso). Em sua temporada inaugural, ficou fora da pós-temporada. Depois disso, no entanto, engrenou sete campeonatos seguidos indo para o mata-mata, vencendo o Super Bowl uma vez.
Em 1992, o Green Bay Packers adquiriu Brett Favre em uma troca. Favre desenhou uma história fantástica por lá, sendo o titular dos Packs até 2007. Dois anos antes disso, a franquia selecionou Aaron Rodgers no Draft 2005. E o planejamento era claro: Rodgers ficaria alguns anos aprendendo com um dos maiores de todos os tempos. Bingo! A-Rod assumiu a titularidade em 2008 e, assim como Brett Favre, colocou seu nome na história do futebol americano. Nas últimas 26 temporadas, em apenas seis os Packers não foram aos playoffs. E ainda houve dois Troféus Vince Lombardi levantados nesse período. Rodgers foi o “Steve Young da era Joe Montana em San Francisco” para os Packers no período Favre.
LEIA TAMBÉM: As três formas brilhantes de se tornar um QB na NFL
Saiba que esse modelo de Ciclo de QBs na NFL é o que toda franquia almeja em sua história, visto que seria uma forma de ficar marcada apenas por anos vencedores. Mas isso não é possível, mesmo que sempre tentado. A verdade é que a liga transborda planos falhos na posição de quarterback. É difícil encontrar um titular inicial, assim como é complicado acertar em uma promessa para o futuro depois de alguns anos.
No fim das contas, a presença de um quarterback minimamente competitivo e confiável é importante para que um time vença no presente. Ou esteja no topo da NFL por no máximo cinco temporadas. Encaixar o Ciclo de QBs adequadamente significa vencer por mais de dez anos, o que explica tamanha dificuldade.
– Gostou do texto e/ou tem algum tema da NFL que queira ver abordado aqui? Mande sua opinião para nós nos comentários ou pelas redes sociais!
–
Siga-nos no Twitter @ShotgunFA
Curta no facebook.com/shotgunfootball